quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A energia também se bebe?

No mundo inteiro contam-se 500 produtos com um elevado conteúdo de cafeína e açúcar e a prometerem revitalizar a mente e o corpo. Os jovens são quem mais procura a energia engarrafada.


De olhos vendados, num teste cego, mesmo os consumidores da bebida energética mais vendida no mundo, o Red Bull, hesitam quanto ao seu sabor: uns acham-na muito doce, outros sentem-se desconfortáveis com o leve teor a gás do produto. Até a lata, em alumínio, que não permite ver a cor do líquido, foi olhada com desconfiança, em 1987, data de lançamento. Curioso é o facto de a empresa, com sede na Áustria, hoje vender quatro mil milhões dessas latinhas por ano, em 140 países - mais do que a soma das três principais companhias concorrentes, entre elas a Coca-Cola, que criou uma bebida com características idênticas, mas não conseguiu beliscar a Red Bull.


Neste caso, se não é pelo prazer da degustação, como se explica que o mercado das bebidas energéticas, onde já existem mais de 500 produtos, com doses variáveis de açúcar ou cafeína (em alguns casos, até sete vezes uma chávena de café) pareça inabalável? Para a investigadora na área da Sociologia, Susana Henriques, a motivação principal do consumidor "será a de aumentar a resistência física, de forma a prolongar a sensação de energia e retardar a fadiga, o que potencia a diversão nos espaços nocturnos" - locais onde, de acordo com a sua percepção, as bebidas energéticas são consumidas por vários grupos etários. E tantas vezes misturadas com vodka, por exemplo, pelo facto de diluírem o efeito depressivo do álcool, e darem mais ânimo para encarar as longas noitadas, o que tem levantado questões à comunidade médica.


Efeitos secundários
Um estudo divulgado pela Universidade Johns Hopkins alertou para o perigo de algumas pessoas se tornarem dependentes de bebidas energéticas e começarem a sentir efeitos secundários, como ataques de pânico, náuseas ou dores no peito. Outras investigações foram mais longe e sugeriram que o abuso da cafeína podia servir de porta de entrada para a dependência de outros tipos de droga. Uma conclusão improvável, segundo a socióloga, já que não se encontra sustentação para o chamado 'efeito de escalada', o mesmo é dizer "para o facto de o consumo de uma substância levar à vontade de experimentar outras".
Ao Expresso, a empresa austríaca defende-se: "Não poderia uma bebida ter esta expressão mundial se tivesse algum problema para a saúde pública." Quanto à questão do álcool, a Red Bull não incentiva a mistura com bebidas alcoólicas, mas também diz que não há qualquer razão para proibir, "desde que as pessoas estejam cientes de que o álcool pode prejudicar as suas actividades físicas e mentais". A dietista do Hospital Santa Maria, Patrícia Almeida Nunes, diz que ao associarmos estas duas substâncias "duplicamos os efeitos nocivos do seu consumo", mas a sua preocupação prende-se com o facto de as bebidas energéticas, como Atomic, Bad Boy, Burn, Cocaine, Flying Horse, Monster, para nomear algumas marcas, serem essencialmente ricas em açucares de absorção rápida, o que "potencia o aumento de peso".


Marketing agressivo
Apesar de vários desportistas ingerirem bebidas estimulantes, antes e depois dos treinos, é importante que não se confundam as energéticas com as desportivas (como Gatorade, Marathon ou Powerade). Estas são isotónicas, ou seja, usadas para repor água e sais minerais perdidos pela transpiração; ao passo que as bebidas energéticas não devem ser utilizadas para matar a sede.
Apesar da combinação de nutrientes, o ingrediente mágico das fórmulas parece ser o marketing agressivo e inovador, com referências à cultura pop, aos desportos radicais e eventos musicais, quase sempre dirigido aos consumidores jovens, com menos de 25 anos. Como acontece com os estudantes em época de exames, numa luta desesperada contra o sono e o cansaço, ou os que precisam de uma dose extra de energia para aguentar o ritmo de uma tecno rave. Inédito é o facto de estas substâncias, sempre atrás das últimas tendências sociais, também já estarem presentes nas silent raves, um movimento musical que se afirma pelo silêncio e que pretende provar que por trás dos iPods, facebooks, myspaces, mp3, pode existir um espírito comunitário da música.


Red Bull, "empresa cultural"
Neste contexto, a própria Red Bull assume-se como uma "empresa cultural", como disse à revista "Forbes" o seu CEO, Dietrich Mateschitz, que ocupa agora o 25º lugar entre os 100 maiores milionários. Mas a sua preferência vai para os eventos desportivos exclusivos da marca, quase sempre mirabolantes e que atraem multidões e a atenção dos media. E há tantos por onde escolher, seja uma prova de mountain bike no interior de uma mina de ouro, em Minas Gerais ou uma corrida de motocrosse numa praça de touros no México. As corridas de aviões Air Race, a rasgar os céus de grandes cidades, como Barcelona, Budapeste e Porto, chegaram a superar um milhão de pessoas. Tal e qual como Dietrich previa, ao criar não só um líquido mas um lifestyle associado às bebidas energéticas. "O marketing é a nossa matéria-prima, sem esquecer o produto certo, que é a pré-condição para ele".


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